Se você está acostumado a viajar, certamente já passou em frente a uma livraria de aeroporto. Naquelas conexões demoradas é possível que também já tenha “matado um tempinho” observando as obras disponíveis nas prateleiras. Quem sabe até comprou algum livro em um destes estabelecimentos.

Nestas livrarias, é possível encontrar vários tipos de obras literárias. Das palavras cruzadas, passando pelas biografias, até os diversos livros de literatura. Mas, entre todos, os que mais se destacam nas prateleiras são os chamados livros de autoajuda, que com títulos muito sugestivos, deixam claro que você tem de ser o cara da sua vida. Alguns deles são best sellers, pelo menos em vendas. Poderíamos utilizar este espaço para refletir sobre este fenômeno e lançar muitas hipóteses sobre por que tanta gente consome este tipo de literatura. Mas deixo esta questão para você ficar pensando, ou não. Também não pretendo engrossar a linha de críticos deste tipo de obra para não correr o risco de me tornar impopular. Afinal, muita gente acredita que a verdade emana das massas, embora eu discorde. Milhões de pessoas podem estar erradas, é só olhar os políticos eleitos em nosso país.

Mas, você deve estar se perguntando. O que isto tem a ver com cerveja, o assunto deste blog? Via de regra, nada! Mas, como o assunto autoajuda eventualmente surge em rodas de conversas de bar entre alguns amigos, resolvi viajar neste tema, defendendo uma aproximação talvez inédita entre cerveja, e algumas questões psicosocioantropogeográficas.

Como a maioria dos meus amigos são um tanto desconfiados com as obras de autoajuda, acabamos propondo um movimento alternativo ao consumo destas ideias por uma forma prazerosa de lidar com os problemas e dilemas da vida: dar risada, bater papo, discutir os assuntos mais complexos, compartilhando uma boa bebida. Daí, por sugestão de uma amiga que um dia pensou em ficar rica escrevendo livros de autoajuda, criamos uma comunidade no Facebook para auto ajudar os leitores, cujo nome batizamos de “Álcool-Ajuda”. Mas, antes que você me censure, é importante esclarecer que a ideia desta comunidade não é estimular a bebedeira, mas reforçar que existem alternativas divertidas para fugirmos do estresse do dia a dia, além de se constituir em uma oportunidade para fazermos contatos, construirmos laços de amizade, compartilharmos as alegrias e as agruras da vida, além de refletirmos sobre o momento econômico e político, entre tantos outros assuntos importantes, como o resultado da última rodada do campeonato brasileiro ou quantos pontos você fez no Cartola FC.  Neste contexto, seja em casa ou em um bar, mas com um copo cheio de uma boa cerveja nas mãos, temos a certeza de que o álcool-ajuda!

Um dos principais ingredientes do ritual de álcool-ajuda é a cerveja, esta bebida democrática que promove e estimula a socialização das pessoas, seja por se incorporar aos diferentes tipos de cultura e de tribos, como a do rock, a do samba ou a do sertanejo, entre outras, ela também está no copo do intelectual, do artista, do pedreiro ou do jornalista. Além disso, cada vez mais, quando consideramos as cervejas artesanais, o momento do gole se transforma em uma experiência sensorial e cultural. Uma verdadeira celebração de uma história que começa pelo estilo da cerveja, pelos ingredientes utilizados, pelo processo de fabricação, passando pelo nome dado a obra, seu rótulo e o formato da garrafa, até chegar ao brinde e as sensações gustativas ulteriores. E é neste contexto que se insere a Dog Save The Beer, minha cerveja escolhida para este post.

É de se ressaltar que é muita responsabilidade falar desta obra, posto que se trata da primeira cerveja da God. Mas não há dúvidas de que a piazada acertou em cheio. A começar pelo nome, que ao utilizarmos a palindromia (ler a palavra ou frase ao contrário) percebemos a brincadeira com o nome da própria marca. Mas além disso, não há nome mais apropriado, visto que a Dog foi fabricada na Bastards Brewery, uma cervejaria localizada em Pinhais/PR, cujo símbolo, mascote ou marca é um cachorro da raça buldog americano.

O rótulo da Dog Save The Beer é um destaque a parte. Seguindo a linha da proposta dos rótulos da Bastards Brewery, em que cada cerveja possui um personagem estampado no rótulo, neste, a linguagem assume as personalidades de ambas as marcas de um jeito cool, irreverente e bem humorado. O personagem da Dog é um cachorrinho que carrega essa dupla personalidade. Numa perspectiva, tem um lado angelical, com auréola e tudo – as meninas o chamam de “fofo” –, já seu outro lado é profano, com cara de cachorro marrento, do tipo empinado de academia que sai por aí de peito estufado, se achando. Mas o que importa é como você o vê. Seria ele o anjo ou o cão?

O segundo aspecto que chama atenção nesta cerveja é seu envase na generosidade de um litrão. São 1000 mililitros do líquido sagrado dentro da garrafa. É interessante observar que envasar com esta quantidade generosa aos poucos começa a se popularizar entre as cervejas artesanais brasileiras. Aliás, copiamos este hábito de consumir cerveja no litrão de nossos vizinhos sul americanos desde de 2007, quando a AmBeV começou a importar cervejas do Uruguai. De lá pra cá, várias opções de cervejas de outros países também passaram a ser importadas e ofertadas no mercado brasileiro em garrafas deste tamanho e, é claro, as cervejarias tupiniquins também incorporaram esta prática, engarrafando cerveja em ampolas de tamanho generoso.

Gosto da ideia do litrão porque com uma garrafa deste tamanho não há desculpas para não socializarmos e compartilharmos o líquido precioso. Afinal, se 1000 mililitros não te deixarem mais solidário, além de ter um coração peludo, não tenho dúvidas de que você é do tipo que atravessa a nado a Baía de Guaratuba com um Sonrisal na mão. Mesmo que a sede seja grande, a quantidade generosa de cerveja permite que a gente encha alguns copos para fazer um brinde, este ritual que deve ser valorizado na cultura cervejeira. Neste sentido, este tamanho de garrafa também valoriza o momento de uma seção de álcool-ajuda, pois, além de não deixar ninguém de copo vazio, permite que neste momento você expresse sua cordialidade, servindo seus amigos. Por fim, se por algum motivo você tiver que se justificar com a sua companheira ou companheiro ao final da noite, é possível afirmar sem culpa: – amorzinho, estou bem, hoje eu só tomei umas três garrafas de cerveja!

A Dog Save The Beer é uma Session IPA. Abreviando fica: SIPA. Uma cerveja de alta fermentação, cujo estilo bebe da escola Americana e tem como característica principal manter o aroma e o amargor do lúpulo com baixo corpo, conferindo grande leveza ao estilo, sem desagradar gregos ou bahianos loucos pela lupulina. O baixo corpo também confere baixa graduação alcoólica, favorecendo o consumo em litros sem que isto implique uma ressaca no dia seguinte. No entanto, no alto clero dos cervejeiros existe quem faça severas críticas ao estilo, dizendo, entre outras coisas, que a SIPA não é da família IPA. Deixemos esta discussão para os catedráticos do assunto, porque o importante é que por hora o povo brasileiro tem recebido muito bem este tipo de cerveja, tanto que a maioria das cervejarias já incluiu uma Session em seus portfólios.

Mas, o que você vai encontrar quando ao abrir um litrão de Dog Save?

Na minha opinião, uma ótima SIPA. Sem fricote, ela cumpre com os quesitos do estilo. Sendo assim, dá até para relevar se você for egoísta e tomar um litro sozinho. Neste caso, não se sinta culpado. Acontece. Primeiro, porque de fato, a Dog é uma cerveja muito leve, mas com aquela pegada boa nos aromas frutados, florais e herbáceos, conferindo refrescância e jovialidade ao conjunto aromático, além de um bom amargor residual. Por ser leve e de baixo teor alcoólico, possui alta drinkability e um gole convida a outro sem que você se sinta estufado. No copo, tem uma coloração amarelo palha fosco, com uma espuma branquinha, fechando este conjunto bem equilibrado entre sabor, aroma e aparência, com um convite ao deleite de uma cerveja bem executada que vai agradar quem gosta dos estilos mais lupulados, sem assustar quem ainda está descobrindo o universo da lupulina.

Finalizo este texto esperando que na próxima vez em que você passar em frente de uma livraria de aeroporto, de shopping ou de qualquer outro lugar e observar os livros de autoajuda nas prateleiras, lembre-se deste post e sinta vontade de encontrar a sua galera para compartilhar uma cerveja, vivenciando a essência da filosofia do álcool-ajuda: o brinde. E isto ninguém faz sozinho. Além de ser saboroso e divertido, dividir uma cerveja com seus amigos muda a matemática da vida, pois, nesta equação, o resultado da divisão de uma garrafa é alegria ao quadrado, onde os problemas são simplificados e o resultado de qualquer que seja o X da questão será sempre positivo. De quebra, ao compartilharmos um litrão, exercitamos a solidariedade e a generosidade de copo cheio.

Até o próximo brinde! Cheers!